segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Episódio 0

Como tudo naquela casa, a Mãe é muito tranquila, principalmente desde que toma tranquilizantes para cavalos que a atiram para um sono - também ele tranquilo -por cima da sopa juliana, ao jantar. Tudo isto, desde que descobriu que o seu filho mais novo era maricas. No fundo, a Mãe sabe que a culpa é sua porque sempre desejara ter uma menina. Então, mandava para a escola o pequeno Flávio, bem penteadinho e perfumadinho, o que fazia com que as outras crianças na carrinha do externato quase sufocassem com o aroma almiscarado da colónia do menino. As crianças são cruéis e a vingança veio sob a forma de alcunha: Nancy Bailarina. Com o tempo, o "Bailarina" caíu e, ainda hoje, as pessoas do bairro tratam o Flávio por Nancy. E o Bailarina tornou-se desnecessário porque Flávio ingressou no Conservatório de Dança.
O Telmo - o do meio - é que tem uma grande revolta, não pela alcunha atribuída ao seu irmão, mas pela delicadeza daquele em quem tinha depositado a esperança de ser o seu companheiro nas lides da tauromaquia.
A sorte da Mãe é que o seu Sandro António, o mais velhinho, desde tenra idade tinha mostrado um grande desejo de entrar para a vida eclesiástica, alimentado pelas centenas de pagelas, medalhas e imagens da Nossa Senhora que lhe trazia a Avó Benta quando ía a Fátima nas excursões da paróquia. Hoje em dia, é o Padre Sandro António e herdou do Avô a alopécia degenerativa que o faz parecer-se com um conhecido santo.
O Pai também é muito tranquilo, mas não passa muito tempo em casa. É camionista. Partilha os seus dias com um palito hidráulico e um calendário da Samantha Fox de 1986, a caminho de França.
A Avó Benta sucumbiu. Mais tranquila não pode haver.

1 comentário:

  1. Dois episódios e já me ri como nunca... Isto promete. E o mais giro é que imagino a Manana a ter as ideias e a escrever... Brilhante!

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